Sobre marketing editorial

E a dificuldade de fazer um oceano de livros chegar a cada leitor certo sem a ajuda de magia.

Recebi perguntas muito boas de vocês, então estou animada para os assuntos que vou poder abordar nas próximas semanas. Se você não enviou a sua ainda, corre lá!

Hoje eu respondo uma questão antiga sobre marketing editorial, dou uma de Courtney Milan indicando meu chá favorito, e revelo qual será a questão da próxima newsletter.

Questão do dia: Marketing editorial

Diana, marketing de livros é mais difícil que de outros produtos ou são as editoras que desprezam os fundamentos do marketing?

Anônimo, via CuriousCat

Caro Anônimo, não é nem um, nem o outro: é uma combinação dos dois.

Eu lembro até hoje de uma reunião que tive com uma agência de publicidade muitos anos atrás, quando as editoras estavam começando a usar as redes sociais. Os dois moços apresentaram campanhas de sucesso que já haviam feito para outros produtos, inclusive para uma marca de refrigerante, e deram alguns exemplos de ideias que poderiam desenvolver para a editora.

No fim da apresentação, eu comentei: muito legal o material que vocês nos mostraram, mas para a marca de refrigerante, por exemplo, vocês trabalham a divulgação de um mesmo produto o ano todo (no máximo existe uma edição limitada que vocês precisam apresentar ao público, de vez em quando). Já na editora, nós temos 30 novos produtos saindo a cada mês. Como vocês visualizam as estratégias da sua agência funcionando para essa frequência de lançamentos?

Eles ficaram meio abalados, disseram que precisavam pensar, e acabaram nunca respondendo. E essa pergunta ficou grudada na minha cabeça, desde então: que outra indústria trabalha com uma quantidade tão grande de produtos? E produtos hiper específicos, ainda por cima (eu gostar de livros de fantasia urbana não significa que vou me interessar por todos os livros de fantasia urbana, por exemplo), que você tem que fazer chegar ao público certo sendo que a maior parte desse público não sabe explicar de que tipo de livro gosta (essa é toda uma outra questão na qual não vou entrar hoje, mas um beijo aos livreiros que vivem isso todo dia).

Daria para comparar a uma marca de fast fashion, talvez? Eles também lidam com novos produtos a cada semana, mas a loja de roupas divulga o conceito da marca ou da coleção, não cada roupa individualmente. Esse tipo de divulgação é importante no meio editorial também (através da criação de linhas editoriais bem definidas, e um bom trabalho de branding), mas não basta. A editora precisa trabalhar cada história, não “os lançamentos da temporada”. E além disso: o estoque do fast fashion é substituído rapidamente. O livro espera-se que continue circulando e encontrando novos leitores por muitos anos.

E aí você começa a comparar com as indústrias que trabalham cada produto individualmente, de forma constante, e percebe que eles têm a vantagem da compra repetida. Se eu vi a campanha do refrigerante, comprei e gostei, existe uma chance considerável de eu comprar outra garrafa quando voltar no mercado semana que vem. Mas se eu vi a campanha de um livro, decidi ler, e gostei… eu não vou comprar outro exemplar quando voltar na livraria. Ok, talvez eu queira comprar outro livro, mas qual? Você tem que reiniciar o processo toda vez de uma forma que não acontece no marketing de outras indústrias.

A verdade é que a empresa que eu considero que tem o modelo mais parecido com o nosso, tanto no sentido de quantidade de novos produtos quanto no acúmulo de catálogo que se espera que continue sendo trabalhado… é a Netflix. (E mesmo assim eles têm a vantagem de trabalhar para não perder a sua assinatura, em vez de precisar te convencer sobre os méritos de cada filme/série.) Não por acaso, eles também lidam com reclamações constantes de “vocês não fazem nada por série x”.

Mesmo se considerarmos uma editora muito seletiva, que publique apenas 2 livros por mês, isso já significa 24 novos produtos que precisam ser trabalhados por ano. Além do trabalho de sustentação dos livros de anos anteriores (multiplicado por quantos anos você achar razoável). É muita coisa para uma equipe equilibrar, em comparação com outras indústrias.

O que não exime a editora da responsabilidade de fazer um bom trabalho de marketing para o livro, já que essa era uma promessa implícita quando ela fechou o contrato com o autor. Mas significa que, enquanto você está olhando para um livro específico e pensando “por que não fazem mais por ele? ele merecia mais!” (e provavelmente merecia mesmo!), a equipe de marketing da editora está assim:

Gif de um furão descendo uma escada e sendo atropelado por várias bolinhas coloridas que foram despejadas por uma pessoa.

E aí chegamos na segunda parte da sua pergunta, que são as falhas do mercado editorial: imagine ter que fazer todo esse trabalho, lidando com todas as dificuldades que apontei… com muito menos verba e uma equipe muito menor do que outras empresas. Imagine trabalhar em uma empresa que cria produtos sem considerar o marketing como uma parte essencial do processo (postar a capa do livro no Instagram da editora e depois torcer pra viralizar no TikTok não é plano de marketing).

Em muitas outras indústrias, se você não tem verba suficiente para divulgar um produto, te diriam que então nem faz sentido lançá-lo. Mas o mercado editorial ainda carrega uma visão ingênua de que produtos bons “se vendem sozinhos”. E daí é um pulo para a visão de que, se existe um esforço de divulgação por trás de um livro, é porque ele não se vende “por méritos próprios”. E, consequentemente, que um livro popular = um livro de baixa qualidade. É um mercado que existe dentro da lógica capitalista, mas ao mesmo tempo carrega um preconceito contra o sucesso comercial.

Você mencionou os “fundamentos do marketing”, Anônimo, então talvez você conheça o conceito do Funil de Vendas: até desembocar na venda do livro, são necessárias várias etapas. A pessoa precisa ficar sabendo que o livro existe (o que é bem mais difícil do que parece). Precisa descobrir como ele é (quais são os temas abordados, o estilo da narrativa). Precisa decidir que aquele livro lhe interessa. Depois que ela gostaria de ler este livro específico, entre os vários outros que também lhe interessam. Depois que ela quer comprar este livro (entre os vários outros que ela também quer ler). Chegando, então, na decisão de compra.

É um processo complicado, certo? Que precisa de um esforço consistente, com abordagens diferentes para superar cada etapa, concorda? Mas o que eu mais vejo são editoras achando que é possível conquistar todas essas etapas de uma vez só. Que o único objetivo de uma ação de marketing é converter em vendas, então se você fez um investimento e ele não resultou em vendas direto, você gastou dinheiro à toa e aquele livro provavelmente não tinha muito potencial de qualquer forma.

Achatar todo esse processo faz com que você não enxergue que ações diferentes funcionam melhor para partes diferentes do funil, e uma boa estratégia precisa pensar em cada uma delas. E esse hábito de querer 1 coisa mágica que resolva tudo aparece de outro jeito também: na tendência de apostar todas as fichas em um cavalo só (que na verdade você está rezando pra criar asas e virar um unicórnio). Mesmo quando editoras resolvem investir, como o dinheiro é curto, elas tendem a escolher 1 coisa só. Ou vamos investir em livrarias, ou em redes sociais. Escolheu livrarias? Então vamos escolher 1 rede de lojas. Escolheu redes sociais? Então vamos escolher 1 rede social. E 1 influenciador dentro dessa 1 rede social. Gerou uma quantidade boa de vendas? Ótimo, talvez valha a pena fazer mais alguma coisa. (E vamos repetir essa 1 coisa que deu certo pra todos os próximos livros, mesmo estando dentro de um mercado múltiplo e hiper segmentado.) Não reverteu em vendas rápidas? Que pena, mas olha só: nós tentamos! E nisso vários livros ótimos ficam à deriva.

Qual é a solução? É difícil dizer, Anônimo. O mercado precisa investir mais em marketing, com certeza, de forma consistente e estratégica. Mas mesmo se o fizesse, você provavelmente ainda pensaria vez ou outra “por que não estão fazendo mais por esse livro?? ele merece mais!!” enquanto a equipe de marketing tenta caçar todas as bolinhas caindo pela escada.

Eu só te garanto uma coisa: quem diz “deviam investir em A em vez de B” também não vai resolver a questão, porque é o mesmo que trocar um unicórnio por outro.

Links e indicações:

Já faz uma década que parei de fazer os Links da Semana, mas às vezes me bate saudades. Aviso de antemão que essa seção será uma grande salada de frutas dos meus interesses pessoais e profissionais.

  • Vai até sexta-feira o prazo para indicar jurados (ou se indicar) para o Prêmio Jabuti. Eu participei do júri em 2021 e gostei muito da experiência, saí com uma listinha de vários autores que quero acompanhar. Você precisa avaliar uma quantidade grande de livros, mas é um trabalho remunerado e te dá uma visão muito boa da produção literária nacional.

  • Eu amo essa matéria (em inglês) sobre como restaurantes chineses ajudaram a fomentar a cena punk de Los Angeles no fim do anos 70. Fico imaginando as famílias comendo no térreo enquanto o teto tremia por causa dos shows rolando no salão superior.

  • Como alguém que trabalha com leitura de sensibilidade, é cansativo ver pessoas usando takes fáceis pra invalidar uma discussão complexa. Então fiquei feliz de encontrar esse artigo (em inglês) de um escritor cadeirante para o The Guardian. Ele parte das histórias do 007, que frequentemente usam o trope de “deficiência física como reflexo de falhas morais”, para discutir a revisão de livros clássicos. (Se você preferir ouvir o artigo em vez de ler, ele está disponível em áudio.)

  • Eu já amava o chá preto da Obatian, mas agora provei o chá preto defumado e estou apaixonada. Dá pra comprar on-line. (Pra quem não conhece, Ume Shimada é uma senhorinha que, aos 87 anos, decidiu retomar a produção artesanal de chá no Vale do Ribeira.)

  • A LabPub acabou de anunciar uma newsletter só para divulgar vagas (CLT e freelance) do mercado editorial. (No Twitter, eu recomendo acompanhar a bicos&vagas.)

A próxima questão é:

Ouvi uma editora dizendo que queria conhecer autores que fossem engraçados e fizessem conteúdo para o TikTok. Sei que isso conta. Vivemos num mundo capitalista e acho normal que editoras queiram lançar fenômenos das redes sociais. Comercialmente falando, é uma boa estratégia. Mas a pergunta é: você acha que ainda existe espaço nas editoras comerciais grandes para autores que não sabem dançar ou não têm tempo nem vontade de serem influenciadores?

Escritora que escreve (São Paulo/SP)

Até a próxima!

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